Monday, August 17, 2009

Da proximidade do mundo


Li há uns tempos que os antigos entendiam que emoções como a raiva e o medo pertenciam ao conjunto de "emoções boas", enquanto a esperança era vista como uma "emoção ruim". Algo errado, não é? Não se você entender o conceito por trás dessa interpretação.

Para os antigos (antigos mesmo... refiro-me aos gregos de milênios atrás, e não aos empoleirados intelectuais medievais com suas sempre presentes mordaças mentais), bom era aquilo que aproximava as pessoas da verdade do mundo. Ruim era aquilo que afastava as pessoas dessa verdade. Ora, agora a definição acima fica praticamente inquestionável.

A esperança, afinal de contas, muito sedutoramente quer sempre nos afastar do mundo tal como este se apresenta. Sonhos de realidades melhores corroem o tempo que deveríamos usar para efetivamente criar alguma realidade melhor. Entorpecem e adormecem. Com efeito, embora em nossa antiquada e capenga moralidade cristã a esperança seja dicotomicamente entendida como uma emoção boa, tipicamente é ela a primeira operária a alicerçar as bases firmes para as mais duradouras e profundas decepções e os mais angustiantes sofrimentos.

E para aqueles que pensam que esta discussão se limita a sentimentalismos de sala de espera de cabelereiros, abra os olhos... Nosso descuido irracional frente aos impulsos da Esperança dá margem a enormes interferências na racionalidade da sociedade como um todo. Tome a política, a discussão sobre os problemas ambientais, guerras, e por aí vai. Todo o sofrimento pessoal que acaba impunemente seguindo história adiante devido aos nossos descuidos com as armadilhas da Esperança são apenas uma ponta do espectro. No outro extremo há toda uma gama de fenômenos coletivos oriundos da mesma base.

Em particular, no que se refere à racionalidade, o que são todas as pseudociências se não uma fuga esperançosa do mundo tal como este se apresenta para um mundo de justificações sem fim de que nossos mais calmantes e delirantes desejos de ordem e harmonia possam continuar existindo em eterna paz intocável?

Você por acaso já está com a impressão de que eu sou um negativista? Uma pessoa sem esperança de possíveis melhoras? Uma pessoa que diz "o mundo é assim, e pronto..."? Por que é que sempre confundem ceticismo com negativismo, realismo com conformismo? Enxergar o mundo como ele não não significa tolher na raíz todas as esperanças de mudança. Significa dar atenção apenas às mudanças possíveis, e cuidadosamente ignorar as outras. Não significa deixar de sonhar de forma irrestrita e devaneosa, significa conhecer a natureza lúdica destes sonhos e não priorizar nossas forças à concretização deles a menos que algum caminho realmente viável surja de alguma feliz descoberta. Não quero deixar de aproveitar todas as coisas boas que a Loucura de Erasmo nos leva a viver. Mas daí a entregar-se a cantos das sereias...

Voltando à ponta individual do espectro o benefício de uma visão mais realista é claro: uma atenção maior ao presente. Um olhar ao futuro e ao passado apenas no que diz respeito à produção de um presente mais e mais feliz. Felicidade sólida. Não com alicerces que se estendem a um futuro imaginário... Felicidade de experimentar desta pura e simples sensação de viver o mundo tal como ele é.

1 comment:

Mel said...

Discordo em gênero, número e grau.
Falo o porquê no próximo almoço, já que essa é uma discussão longa.