Tuesday, February 28, 2006

Katilce - o todo pela parte

Que coisa mais idiota. Uma garota sobe no palco de um artista famoso como Bono Vox, na frente de setenta mil fãs que participam do show, dá em seu ídolo um rápido beijo, e então sua fama, pelo menos pelo curto espaço de tempo de alguns dias, explode. Mais interessante (e segundo muitas vertentes importantes, também muito mais idiota) é que sua página pessoal no site de relacionamentos Orkut recebeu, e ainda recebe, uma avalanche de recados (os famosos scraps). De início, a graça foi a de encher o scrapbook da fã com menções ao evento, mas em pouco tempo os internautas perceberam a multidão que estava invadindo a página simultaneamente, e começaram a divulgar comunidades, contar piadas, fazer anúncios de venda ou simplesmente postar frases non-sense. Por um intervalo de pelo menos três dias, foi comum aos frequentadores do Orkut (e do profile da Katilce) trocarem entre si scraps dizendo simplesmente "oi! Te vi na Katilce!".

Em pouco tempo, surgiram também aqueles que entravam no scrapbook da Katilce para postar mensagens cheias de princípio, perguntando a todos se "vocês não tem algo melhor para fazer não? Se conseguíssimos reunir milhares de pessoas assim por uma causa nobre, mas não conseguimos. Agora para aparecer aqui e ficar postando scrap atrás de scrap vocês aparecem né?". É um pensamento até que válido. Vai de encontro à minha velha porém pouco escrita teoria da Crise de Alocação de Recursos. O pensamento é em um primeiro momento um tanto quanto triste, um tanto quanto sem sentido: o mundo com tantas e tantas prioridades de primeiríssima urgência, ou se não quisermos falar do mundo como um todo pois ninguém pode ajudar tanto de uma vez, pensemos apenas em nossa cidade, em nosso país, ou mesmo em nossa rua, nossa casa. E milhares e milhares de pessoas sentadas diante do computador deixando, uma após a outra, mensagens como "Galvão! Tô na Katilce! Filma eu!", madrugada adentro.

Será que podemos acusar essas milhares de pessoas de algum tipo de inutilidade inerente, de alguma falta de extrema grandeza? Talvez possamos, mas ao fazê-lo, deveremos reconhecer que este é só um exemplo extremo e gritante de algo que todos nós fazemos, o tempo todo, sem nos darmos conta. Priorizamos a irracionalidade de nossos impulsos sobre nossas razões praticamente o tempo todo. Ou você sempre raciocína de acordo com todas as informações nutricionais e médicas que já recebeu sobre nutrição quando vai escolher seu almoço do dia? Ou você por acaso escolhe quais serão suas atividades de final de semana buscando sempre maximizar os benefícios que gerará para você e para sua comunidade?

A irracionalidade é a razão de ser da humanidade, embora isso sempre se esconda sob nossa miopía que insiste em ver suas manifestações sob termos um pouco mais próximos de um possível entendimento lógico, como Manifestações Culturais, Tradição, e etc. Sim, é possível encontrar uma lógica sob o caos de nossas escolhas, mas é preciso ter sempre em mente que não se encontrará ao final do processo um arcabouço de escolhas lógicas que no fundo visavam apenas gerar o bem coletivo.

Monday, February 27, 2006

A Rede e o Ser

Estou entrando em uma nova crise existencial com a engenharia, perguntando-me "o que diabos estou aprendendo nesse curso?". E o choque se deve ao contato com as páginas iniciais do enorme monumento de letras de Manuel Castells, "A Sociedade em Rede", parte da trilogia "A Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura". Não, não se desespere. Não vou abandonar ao curso e voltar à FFLCH, ou algo parecido. Afinal de contas, esse espantamento cheio de paixão eu estou acostumado a ter com as coisas mais distintas, e sei que o mesmo aconteceria (embora no sentido oposto) se eu estivesse hoje na FFLCH e me deparasse, por exemplo, com o detalhamento de projeto de um grande navio. Feita essa observação fundamental para tranquilizar o leitor, voltemos ao assunto.

"Este livro estuda o surgimento de uma nova estrutura social, manifestada sob várias formas conforme a diversidade de culturas e instituições em todo o planeta." - O que poderia ser mais instigante? E, pelo que vemos logo por meio do prólogo do livro, a abordagem de Castells é profundíssima, graças à sua vasta cultura acadêmica.

Sim, discute-se tecnologia e a forma pela qual a tecnologia influi nas relações sociais e molda a sociedade, mas não se cai nessa armadilha de tomar o "molda a sociedade" como uma via de mão única, determinística e completamente fatalista.

Sim, a sociedade molda a tecnologia, mas Castells não é da pobre tradição dos escritores que cultuam a Cultura como a Deusa suprema que está acima de todas as coisas, regendo-se sob leis próprias e ditando todo o suceder do que está abaixo.

Sim, a tecnologia é fundamental e o Estado tem um papel importantíssimo sobre o desenrolar do desenvolvimento cultural que é substrato do caminhar tecnológico. Mas embora isso mostre-se um belo rascunho teórico merecedor de ser discutido e contraposto a várias correntes de pensadores, Castells logo ao início toma o cuidado de advertir que sua obra não é "um livro sobre livros". Não se limitando ao terreno teórico ao mesmo tempo em que, definitivamente, não é um simples relator de fatos, Castells busca lógica não na tela branca sobre a qual construímos teorias, mas em meio ao caótico caleidoscópio instável da história. Dizer que o Estado sustenta o desenvolvimento tecnológico é de uma limpeza teórica total. Mas olhar a história obriga a admitir que uma mesma nação que serviria de exemplo de verdade a essa afirmação, em um dado momento serivá de contra-exemplo. Apenas para, anos mais tarde, voltar a ser exemplo. Falamos do Japão, cuja gangorra tecnológica é brevemente discutida no prólogo de Castells.

Os livros foram caros, é verdade. Mas já percebi que não me arrependerei de nem um centavo.

Para quem quiser maiores informações:

Home Page de Manuel Castells: http://sociology.berkeley.edu/faculty/castells/

Manuel Castells na grande Wikipedia: http://en.wikipedia.org/wiki/Manuel_Castells

Inauguração

Pois é. Começando mais um blog. Tenho tantas coisas escritas pelos cantos, embaralhadas nas gavetas, perdidas no computador. Quem sabe assim os futuros escritos não ganhem um pouco mais de ordem e façam algum sentido a mais ao respeitarem na organização a seqüência em que nasceram? Assim espero. Sempre perco alguns minutos, antes de começar a publicar na internet textos profundamente pessoais, refletindo sobre a visibilidade deste meio. Acho que gosto mais de escrever em papel, no meu quarto. Ou em algum computador do qual só com muita sorte o texto sairá de qualquer forma que for (como meu notebook velho... é um desafio tecnológico dos mais desafiadores retirar qualquer informação dele...). Reflito sobre o quanto essa visibilidade irá mudar o que eu escrevo antes mesmo de escrever, enquanto o texto todo está em minha mente, enquanto os sentimentos e opiniões ainda não viraram palavras... Seria certamente uma mentira das mais ousadas dizer que vou tentar "contornar" esse tipo de empecílio. Bobagem. Não existe isso. Esse tipo de influência do meio não se contorna, se absorve, se introjeta, e talvez com uma reflexão muito profunda e insistente, se entenda. Mas nunca, nunca se contorna. Fico devendo voltar ao assunto posts e posts mais tarde.