Sunday, March 02, 2008

Sociologia Fuzzy



Ando pela cidade com minha mochila nas costas. Não que ali estejam os livros que preciso estudar para a faculdade, ou algum material do meu trabalho, ou quem sabe ainda trajes esportivos para frequentar uma academia. Ali levo alguns livros, suficientemente diferentes entre si, para que os tempos de espera compulsória por ônibus, metrô e trens a que esta megalópole me submete possam ser convertido em prazerosas distrações. É essa a principal função da minha mochila. Fora isso ela se presta a transportar uma escova de dentes e uma agenda telefônica, mas são funções menores.

Não existe um padrão bem definido para os livros que ocupam minha mochila. Crônicas, economia, sociologia, engenharia, comédia, teatro... Vai de tudo. Nesta semana dividiam espaço um livro do Eduardo Giannetti, “Vícios privados, benefícios públicos?”, e um compêndio de aforismos diversos de Oscar Wilde, que comprei nessas máquinas de livro que espalharam pelas estações de metrô.

O delicioso texto de Giannetti faz uma completa, ainda que sucinta, revisão das mais diversas correntes filosóficas que se preocuparam em relacionar a natureza moral humana à estrutura da sociedade como um todo, evoluindo para lidar com a complicada questão da relação entre a ética pessoal e o desempenho coletivo. O livro de Wilde é composto por inúmeros recortes de diversos trabalhos, repleto de comentários irônicos que olham com um microscópio para as mais diversas incoerências humanas, retirando mesquinhices debaixo do tapete e admirando-as com a frieza apaixonada de uma naturalista que documenta absolutamente tudo o que encontra pela frente.

Lendo o texto de Giannetti relembrei meus poucos dias na faculdade de Ciências Sociais, dos contatos iniciais com os trabalhos de Rousseau, Aristóteles, Maquiavel, Hobbes... Fosse quem fosse, eles pareciam seguir uma receita inicial comum: desenhavam um modelo idealizado em resposta à pergunta: “o que é o homem?”, e uma vez de posse desse modelo esmiuçavam-no às últimas conseqüências. Trabalhando assim, fica difícil identificar um erro em qualquer um desses autores dadas as premissas inicias em cima das quais trabalham. A questão é: quem acertou sobre o modelo humano?

Oscar Wilde joga um balde de água fria em todo mundo: “Só existe uma certeza definitiva sobre a natureza humana, ela muda.”

É isso! Os autores clássicos estão todos corretos em cima das premissas que escolheram para trabalhar. Mas nenhum deles trabalhou em cima de premissas corretas o suficiente. Entender o mundo exige simplificar a realidade, mas muitas vezes no processo de simplificação deixamos de lado complexidades fundamentais à construção da explicação que nos interessa.

Ao observar sistemas complexos compostos por inúmeros elementos cada um ainda portador de uma complexidade intratável em seus detalhes, é natural buscar simplificações exageradas. Boa parte da história da ciência pode talvez ser resumida como uma constante calibração dos aspectos a incluir ou excluir na modelagem do mundo. Mas embora se preste a várias funções, creio que a modelagem da sociedade como formada a partir de um ser-humano-padrão não pode ir realmente longe demais. Explica possibilidades extremas, mas não dá conta de se aproximar de um entendimento real das constantes dinâmicas de mudanças. É algo como tentar entender o clima da Terra imaginando que ela está ou totalmente imersa em luz solar ou totalmente mergulhada na fria escuridão noturna.

Aguardo ansioso por terminar essas leituras correntes e trocar os habitantes da mochila. Está há tempos na estante de casa o volumoso trabalho de Bernard Lahire, que vai atrás justamente do caminho indicado por Wilde: pesquisa não só a variação de cultura dentro de uma mesma sociedade, mas tenta escancarar a dinâmica cultural intraindividual, ou seja, as enormes diferenças de cultura em uma mesma pessoa, ao longo do tempo ou como função de mudanças de ambiente social.

As dicas:
Vícios privados, benefícios públicos?
Eduardo Giannetti
Companhia de Bolso

Aforismos
Oscar Wilde
Landy Editora - Coleção Novos Caminhos

A cultura dos indivíduos
Bernard Lahire
Artmed Editora

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