Sunday, January 13, 2008

Uma manhã de domingo

Ao som de Dull Flame of Desire...



Acordo, tomo um bom copo de café com chocolate... Vou para o meu quarto. É domingo... Leio a revista que foi jogada ontem à noite na única poça d'água de toda a garagem e que deixei à noite toda secando atrás da geladeira. Algumas notícias escorreram pela página e encontram-se mescladas umas às outras. Tanto melhor assim. Comentários irônicos de um colunista qualquer aparecendo na reportagem sobre o tráfico de drogas entre os jovens. Eu não quero me enervar com as notícias. Quero rir delas, já que não vou fazer nada a respeito mesmo. Deveria até haver uma regulamentação sobre isso: assinamos certos jornais e revistas para nos informarmos apenas, nada mais, mas eles insistem em cutucar nosso humor sobre o mundo, e sempre de maneira negativa. Alguém disse que um jornalista é aquele se separa o joio do trigo, e divulga o joio... Nem é esse o problema, mas o desespero com que o faz! Bom, deixei a revista de lado depois de ver que o governo continua uma bandalheira até onde pode-se ver, os jovens consomem mais ecstasy por aí, as tradições milenares do Tibete estão sendo varridas por uma enchurrada de chineses invasores naquelas terras e, mais grave de tudo, meninas modelo do Rio querem menos meninas paulistas nas passarelas cariocas. Com tanto problema no mundo, mais essa...

Resolvi cantar um pouco. "Abandoned Fate", do Angra. É uma boa música pra se cantar logo depois de acordar. Tom grave, jogo legal de vibratos ao longo da música toda... Ela serve muito bem de "aquecimento", se você não se importar em cantá-la engasgando um pouco no começo, até deixar a garganta minimamente acordada. No começo ainda estou um pouco incomodado, mas depois a coisa vai embalando, mesclo uma ou outra música pra distrair e volto ao Angra, pra continuar melhorando em detalhes. Até que estou naquele ótimo momento em que cada período do vibrato pode ser percebido... pequenas mudanças de intensidade começam a ser controladas e esses contrastes microscópicos entre minha versão instantânea e a gravação que tenho vão aparecendo... É bem aí, no meio de uma nota mais longa, lisa, que vai dando aquele prazer de parar o tempo enquanto encontra o equilíbrio perfeito, congela todo o cenário em volta... é bem aí no meio que a porta do quarto se abre bruscamente e vem a voz da querida mamãe atropelando a música e quebrando o transe: "Adrianooooooo!!!! Tá passando um negócio legal na TV, vem ver!!!!"

Ah, quantas vezes isso acontece!

"A comida tá pronta, quer comer?!"

"Tá mostrando um avião na TV, corre!"

"Filhinho... não quer que eu faça um suco? Uma limonada, um suco de laranja?!"

"Tá chovendo, quer que eu encoste a janela?"

"Não fica sem camiseta não, põe uma blusa que tá esfriando, vai pegar um resfriado..."

O pior de tudo é quando começa com "Adrianoo... não vou atrapalhar você, mas é que..."

Não quer atrapalhar?! Então por que diabos começou atrapalhando?! E não seja hipócrita ou idiota... Com um mínimo de percepção perceberia que JÁ atrapalhou... Nunca comece uma frase com "não quero atrapalhar, mas...", "não quero dar palpite, mas...", "não quero me intrometer, mas acho que..."... Esses prelúdios idiotizam qualquer boa alma e enraivecem até o mais cristão dos interlocutores com um mínimo de percepção para a boa fluência do mundo.

E, além do mais... O que são todas essas invasões? Eu sei onde fica a cozinha em minha própria casa, e consigo reconhecer quando meu corpo aproxima-se de um quadro emergencial de fome. Logo, posso me manifestar a respeito da necessidade de comer por iniciativa própria. Mais que isso! Sou plenamente capaz de preparar minha própria comida, incluindo-se aí não só a mecânica do preparo em si mas o processo de escolha também! Milagroso, não é?

O mesmo sobre a televisão e a sala. Quando estou em meu quarto... Posso estar descansando, lendo, fazendo algo no computador ou cantando. Imaginem só... Que tipo de demente minha mãe pensa que sou? No mundo dela é plenamente cabível algo assim: eu estou no meu quarto e me bate uma vontade louca de ver televisão... Então ligo o computador, e nada... Abro uns livros, vou folheando, e nada... fico falando pra mim mesmo "o que eu queria agora era ver TV". Então ela abre a porta do quarto e anuncia: "tá passando um programa legal na TV, vem na sala ver!", e na hora sou tomado por um sobressalto: "na sala, é isso! que boa idéia!". Nããããããããão! Eu sei aonde a merda da sala está localizada em minha casa, a trinta centímetros da porta do meu quarto na trajetória mais curta... Uns oitenta centímetros de porta a porta se considerarmos a projeção do centro de gravidade do meu corpo sobre o chão enquanto me desloco pra lá. E talvez uns sete metros da minha cama ao sofá, calculando com a mesma boa metodologia.

É, estou irritado. Na verdade, no momento, por mil detalhes de contextos indizíveis, eu gostaria até de estar chateado. Mas perdi a paciência para ficar chateado há tanto tempo... É tão mais legal ficar puto com todo mundo, ou talvez com um ou outro se a raiva ainda estiver naquele meio termo que permite uma certa seletividade...

Cantei músicas em outras línguas e procurei palavras no dicionário. Li sobre o meu país, sobre a economia do mundo. Considerei coisas sobre meu papel aqui. E vi umas tirinhas lúdicas na net também. Li algumas crônicas sem a menor pretenção de complicar minha vida, só entretenimento mesmo. Nesta sexta à noite eu estava lá, numa mesinha à calçada de uma grande avenida, tomando cerveja com uns amigos e conversando inutilidades sempre com um linguajar despretencioso de qualquer seriedade no universo inteiro. Leve. Fui dormir tarde. Acordei sem horário. E não tive mais os devidos humores para o resto que eu queria do meu final de semana. Não é por causa da minha mãe... Ela só virou o alvo central da história acima porque está no débito por força de outros episódios e porque me veio com as deixas mais imperdíveis.

Eu queria agora passar três anos construindo uma maquete do mundo. Com pequenos detalhes em madeira balsa, em fibra... Com pequenos restos de lixo, tudo verde, arte ecológica. Seria grandiosa e teria detalhes. Talvez eu fizesse a maquete de todo o mundo mesmo: redonda... com alguma espécie de musgo criando os contrastes das regiões de floresta, o núcleo da esfera todo preenchido por lixo de qualquer espécie para dar volume, rigidez e poesia à obra. Depois eu levaria a obra a uma exposição no Central Park, ganharia um prêmio, atearia fogo a ela e pularia no meio. Muito melodramático? É, talvez... Tá bom, eu atearia fogo à obra e jogaria um poodle no meio. Não quero me queimar com o calor do meu mal humor, mas também não quero deixar de lado o drama da situação...

Eu chegaria lá no Central Park... E não haveria ninguém nas ruas. Seria exatamente como num filme desses de apocalipse, ou de surrealismos assombrosos em que a civilização desaparece por alguma doença ou uma força do mal estranha qualquer. Tudo vazio. Eu, minha obra de arte e o desavisado poodle, latindo e pulando em minha perna de tempos em tempos. Acho que aí eu não teria pressa de queimar minha maquete gigante e, quem sabe, pouparia o poodle da estranha inquisição. Abriria uma cadeira de praia num gramado qualquer, óculos de sol, e ficaria olhando em volta aquela cena toda de árvores com prédios no horizonte. O Central Park, por desenhado que seja, é a civilização ao contrário... Árvores em primeiro plano com prédios no horizonte... Isso não existe. Nem no campo. É uma ilusão. Na nossa vida, na prática, são sempre os prédios em primeiro plano e as árvores lá no fundo, até nas plantações. Principalmente nas plantações! Quando é que uma árvore poderia estar mais em segundo plano do que em uma grande plantação? Pode ser até de reflorestamento de eucalíptos por uma fábrica de papel, não importa! A cidade é um redemoinho que faz o resto do mundo girar em volta, e vai deixando restos inúteis parados à borda do ralo, como lixo nojento. Incluem-se no lixo nojento as árvores e até as pessoinhas carecas do pobre Tibete.

- Adriano! Tá mostrando aquela banda que você gosta, na TV, vem ver!

Cala a boca! Tô pensando na desprezibilidade do mundo como um todo pra tirar minhas raivas ponteagudas dos detalhes insignificantes de minha biografia ridícula. É um processo complicado e cansativo pra caramba. Não pode não incomodar não?! Demora pra caramba ir armando a dialética do materialismo explorador contra a história da civilização ocidental até o entorpecimento mental da ilusão de vitória, e se eu perder o fio da meada terei que recomeçar todo o processo...

- Desculpe mais uma vez, mas o almoço tá pronto, tá?!

- Ô, puta que o paril!

- Nossa, que stress, não te fiz nada!

- Ahhhhhhhhh!

Vou fazer um empréstimo num banco e comprar outros pensamentos. Pagar em mas de sem prestações.

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