Friday, January 18, 2008

Pertinente

Foi uma coincidência feliz eu cruzar com a crônica abaixo justo agora... E o blog do cara vale uma olhada com calma qualquer hora, ok?


NOVO VISUAL
– Oi, amor!
– O que é isso no seu rosto?
– Como assim?
– Essa barba?
– Eu deixei crescer.
– Sim, eu vi. Mas por quê?
– Ah, não sei ao certo. Queria mudar.
– Você não gostava de você?
– Não, eu gosto de mim. Apenas queria dar uma variada.
– E o que mais você mudou?
– Como assim?
– Você não disse que queria mudar?
– Sim.
– O que mais você mudou?
– Nada. Apenas deixei a barba crescer.
– Hum... Não sei... Você ficou diferente.
– Mas essa era a idéia.
– Ficar diferente?
– Sim.
– E eu?
– O que tem você?
– Eu vou ter que aprender a conviver com você de novo. Você se tornou outra pessoa.
– Olhe, eu apenas deixei a barba crescer. Se você não gostou, eu posso tirar.
– Não é questão de gostar ou não. É questão de que tudo que vivemos não valeu nada. Não valeu nada para você, porque você queria mudar. E não valeu nada para mim, pois teremos que começar tudo de novo. Vou ter que reaprender a viver com você.
– Olhe, é apenas uma barba. Eu sou a mesma pessoa. Sinto as mesmas coisas. Penso da mesma forma que eu pensava antes.
– Como você pode dizer assim? Você não pensava em deixar a barba crescer antes.
– Pensava, mas nunca tinha comentado.
– Como assim? E por que nunca disse isso?
– Eu não achei que era importante...
– Ah, claro! Não era! Agora, você deixou a barba crescer, tornou-se outra pessoa. E isso, óbvio, não é importante. Eu ter que aprender com um estranho do meu lado também não é importante.
– Amor...
– Amor? Amor, porra nenhuma! Eu nem sei mais quem é você!
– É apenas uma barba. Só isso. Se você quiser, eu tiro.
– Não. Você quis mudar, agora mude. Não pensou por um minuto em mim, e em tudo o que construímos até hoje. Aí, você vem até a minha casa, um dia, com uma barba no rosto, e acha que está tudo bem. Acha que tudo vai continuar sendo a mesma coisa.
– Olhe, eu...
– Como você se sente em relação a isso? Sim, por que isso pode ter mudado também. Você ainda me ama?
– Mas é claro que eu amo você!
– Será? Eu nem sei mais ao certo quem é você!
– Eu posso fazer a barba.
– E nossas lembranças? Você vai jogar tudo fora assim? Sim, porque você simplesmente decide se tornar outra pessoa, de um dia para o outro? Você não está satisfeito com a sua vida e decide deixar a barba crescer. Cansou de ser assim. Mas e nossas lembranças? Nossas férias em Fortaleza? Elas ainda existem? E os natais que passamos juntos?
- Mas é claro que existem!
– Não sei! Se eu olhar as fotos, agora, não é você quem está ali! É uma outra pessoa que não está aqui agora! Aliás, uma pessoa que eu nem sei mais onde está! Tudo o que eu vivi, tudo o que eu sabia... Foi tudo por água abaixo. Tenho que começar do zero, agora.
– Não, bobagem sua, é apenas uma barba...
– Pára de falar que é apenas uma barba! Não é! É uma vida! É tudo o que vivemos até hoje! Você vai jogar tudo fora assim, porque cansou?
– Olhe, eu vou para casa. Depois a gente conversa com mais calma, você está nervosa.
– Não. Entre. Se é para começarmos do novo, temos que começar em algum momento. Mas apenas não estranhe se eu não me sentir à vontade com você, como acontecia antes. Você quis mudar, agora agüente as conseqüências. Preciso me acostumar com você novamente. Precisamos reconstruir nossa intimidade.
– ...
– Entre logo! Eu queria pedir pizza hoje. Você ainda gosta de calabresa, ou isso mudou também?
– Gosto.
– Então, ótimo. Entre. Vamos nos conhecer melhor.

Na semana seguinte:
– Oi, amor.
– O que você fez?
– Raspei a barba. Estava coçando demais. Gostou?
– Você está tentando me enlouquecer?

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