Monday, September 14, 2009

Quanto vale a vida?


Não agradou a idéia publicitária do World Wildlife Fund em que uma comparação direta é feita entre o tsunami na Ásia e o atentado de 11 de setembro. Que cada morte ocorrida sobre este planeta deveria ter em torno de si um véu de singularidade que privasse de sentido qualquer tentativa de comparação, tudo bem. Mas até aonde vai a frieza dos números, comparações são possíveis, e têm lá sua utilidade. Não quero defender a campanha do WWF, até porque estética e bom gosto estão longe de ser boas especialidades de alguém tão permissivo, empolgado e tranquilo quanto eu. O que me chama a atenção é que as comparações numéricas são possíveis em inúmeros casos, e podem levar a questões qualitativas interessantes.

Quantas pessoas morrem anualmente de câncer? Vítimas da criminalidade? Vítimas de guerra? Vítimas de acidentes de trânsito? Vítimas de vazamentos nucleares? Vítimas de doenças tropicais? Vítimas da gripe asiática? Vítimas de crime passional? De velhice pura e crua? De fome? De sede? De acidentes de trabalho? De tédio? De terrorismo?

Que diferença faz, para o grau de impacto da notícia, quem é o morto e quais as circunstâncias da morte? Cinco milhões de mortes de civis em um campo de concentração significam o mesmo que cinco milhões de mortes de soldados em um campo de batalha?

A morte de um artista famoso é mais importante que a morte de milhares de pessoas desnutridas, famintas e mortas de sede?

Pensar nessas questões deve obrigatoriamente passar pela distinção entre investigação "do mundo como ele é" e "do mundo como ele deveria ser". Ideal contra empírico. Enquanto não há dificuldade em reconhecer que as mortes em um campo de concentração são muito mais horrendas que um número equiparável de mortes em um campo de batalha, por exemplo, a questão seguinte sobre o artista inevitavelmente ganha duas respostas. No âmbito ideal, pe difícil defender que a morte de um único artista deveria impactar mais o mundo do que a morte de milhares e milhares de pessoas sofrendo as mais devastadoras condições de vida. No âmbito empírico, contudo, Michael Jackson morrendo é muito mais pop que um bando de etíopes definhando.

Não interessa apenas quantos morrem. Interessa quem é o assassino. Interessa quais as circunstâncias da morte. E interessa quem é o morto.

A campanha publicitária da WWF foi uma péssima escolha, pois fere pudores instintivos que jamais permitirão que o objetivo final da peça seja compreendido além do orgulho que toda comparação entre diferentes mundos sucita. Bom mesmo para o movimento ambientalista no mundo seria um real tsunami sobre as linhas costeiras de Nova York, que certamente levariam os mais irracionais e emotivos impulsos da civilização na direção à qual tantos esperam em vão que as razões modernas se dirijam.

Certo estava o Ed Mort... O que diferencia o homem dos animais é que o homem sabe que é irracional.

1 comment:

Mel said...

O único problema é que não dá pra se vingar do tsunami. Porque, se ele tivesse petróleo, os americanos certamente tentariam.