Tuesday, November 28, 2006

Rascunho às pressas, meio jogado

Em uma das memoráveis passagens do livro "O Homem - uma introdução à antropologia", Ralph Linton mostra magestralmente como a sociedade moderna é caracterizada antes por um complexo agregado de vários desenvolvimentos culturais independentes que pela capacidade de produzir rapidamente um grande desenvolvimento inédito para a solução de um problema. Explico: em seu livro, Linton mostra como o cenário material da vida moderna, desde nossos travesseiros, camas, até nossas roupas, as idéias de desenho de nossas cidades, nossas casas, nossa alimentação e etc, surgiram inicialmente longe do que se pode entender como "civilização ocidental" sendo, porém incorporadas a esta ao longo do tempo de tal forma a hoje constituir nossa realidade como se esta fosse um quadro único e maciço ao invés de um mosaico onde os encaixes foram lapidados ao longo do tempo. Seguindo mais ou menos o mesmo raciocínio, porém de forma mais lúdica, o programa Conexões 3, exibido tempos atrás no Discovery Channel, mostrava como uma série aparentemente incoerente de eventos, pessoas e acasos se conectava culminando em alguma invenção importante ou em algum evento histórico relevante. Pretendo aqui fazer uma breve revisão do conteúdo visto nas aulas de geologia e prospecção do petróleo, buscando dar à dissertação este mesmo enfoque: tentarei, neste curto espaço de tempo disponível para a prova, agregar informações históricas e casuais que tanto culminam com a viabilização da exploração comercial do petróleo e gás em larga escala como também, na outra ponta deste processo histórico, modifica a sociedade de acordo com os caprichos da natureza.

Enquanto escrevo este texto e tento expandir alguma pesquisa, utilizo um teclado plástico e olho para um monitor de cristal líquido composto também por materiais sintéticos. Em meu pulso, um relógio com pulseira de borracha. A mesa é revestida com fórmica e a tinta que dá cor às paredes deste ambiente utiliza-se de inúmeros hidrocarbonetos. O petróleo e sua indústria estão em toda a parte, e embora o emprego como fonte de energia seja uma de suas mais essenciais e intensivas aplicações, o alcance de seus derivados em nossa vida vai muito além. Faça esse exercício: olhe ao seu redor e elimine deste cenário tudo aquilo que depende do petróleo para existir. Poucos são os ambientes que resistiriam bem a este exercício mental. Isso sem falar no número de eventos de ordem política e mesmo militar que habitam quer seja nossa história ou nosso presente que estão também intimamente ligados ao petróleo. Mas como a humanidade pôde desenvolver esta "petroleocracia"?

A resposta a esta pergunta é uma descrição quase caótica de um íntimo casamento entre aleatoriedades das mais diversas espécies com esforços de mentes brilhantes em busca de respostas específicas. É a convergência deste borbulhar de interação entre abstração e exploração, entre o acaso e a necessidade. Será uma viagem rápida. Rápida porém vertiginosa.

O surgimento do petróleo. Em contraposição à chamada teoria inorgânica, a teoria orgânica conta com o surgimento da vida para a formação de sedimentos que seriam pouco a pouco engolidos pela dinâmica geológica dos oceanos e processados por diversos agentes ambientais até sua transformação em petróleo. Não é de se estranhar, portanto, que o petróleo não esteja disponível em grandes “cavernas-tanque” escondidas, mas sim embrenhado em rochas porosas em regiões dos mais diversos formatos. Além disso, sua formação inicial foi dispersa, porém as intensas movimentações das entranhas terrestres cuidou para que logo este petróleo recém-formado fosse expulso para regiões mais altas. No caminho de fuga muitas vezes o óleo negro encontrou a superfície terrestre. Graças a esse sucesso rumo ao topo da crosta terrestre, os antigos puderam conhecer o petróleo e empregá-lo em construções nas antigas cidades de Ardericca e Zacynthus, como conta Heródoto e Diodórus Siculos. Mais precisamente, empregava-se uma espécie de piche para a impermeabilização de estradas, e o uso como fonte de iluminação também já era conhecido.

Muitas vezes, porém, no caminho à superfície o óleo acabava encontrando alguma espécie de armadilha. Estas formaram-se devido à constante mutação da crosta terrestre ser devido a violentas forças que empurram as placas tectônicas umas contra as outras. Assim, camadas que originalmente seriam horizontais e dispostas umas sobre as outras tornam-se enrugadas e, eventualmente, chegam a quebrar em diversos pontos deslocando-se relativamente umas às outras.

Este processo seria incompreensível até que a geologia quebrasse a idéia de que a Terra é um planeta estático e imutável. Devemos muito deste entendimento à coragem e dedicação de geólogos como William Smith, que reconheceu a repetição de padrões nas camadas sedimentares em diversas das minas de carvão nas quais trabalhou. E também à genialidade de estudiosos como o alemão Alfred Wegener, que teorizou a idéia da deriva continental permitindo que a geologia se aventurasse em uma busca de conhecimento que mais tarde permitiria um mapeamento detalhado de grandes regiões da crosta e da reconstrução de sua conturbada história.

Acontece que, uma vez preso nestas armadilhas, o petróleo estará escondido de qualquer observador pouco preparado. Ainda assim, por improvável que seja, já no século quatro poços de petróleo com até 243 metros de profundidade eram perfurados em solo chinês. Esses poços eram perfurados próximos a regiões de afloramento do petróleo. Tratava-se, portanto, de regiões em que as armadilhas haviam “falhado”, de certa forma, em sua missão de esconder e preservar este tesouro de nossa história geológica.

Futuramente, com a criação dos motores de combustão interna e com os novos usos que gradualmente se descobriam para infinitos processamentos possíveis sobre os hidrocarbonetos, forças sociais e econômicas convergiram no sentido de fornecer à indústria do petróleo o estado da arte das tecnologias disponíveis para exploração e extração dos reservatórios.

A geologia une-se então cada vez mais à física em sua empreitada de reconstruir a história da crosta terrestre. Com o passar do tempo, vai ganhando poderosos aliados, como a eletrônica e a tecnologia espacial, que permitem diversas formas de enxergar o subsolo terrestre, quer seja por meio dos ecos de ondas de choques artificialmente produzidas por explosões ou fortes impactos... Ou então a minuciosa capacidade de enxergar, com precisão, pequenas mudanças no campo gravitacional e magnético da superfície terrestre, inferindo detalhes sobre sua constituição interior. Estas tecnologias podem ser empregadas a partir de veículos terrestres, marítimos, aéreos, ou mesmo espaciais, ampliando enormemente o poder de visão dos estrategistas do petróleo.

E se por um lado a humanidade esforça-se por dominar o petróleo, o sucesso nesta conquista traduz-se em dependência e a dependência aparece como força dialética a permitir que, em contrapartida, o petróleo domine também a história da humanidade. Não é de se estranhar, portanto, que a região do Oriente Médio, onde estão as maiores reservas conhecidas de petróleo em todo o mundo, abrigue também as maiores tensões militares dos últimos tempos. Observa-se também a importância que o petróleo teve em todas as guerras do último século, como único combustível capaz de mover tropas e equipamentos com impacto suficiente para determinar o curso dos acontecimentos. O domínio das fontes petrolíferas utilizadas pelo inimigo é sempre um dos objetivos centrais de qualquer estrategista.

Ao mesmo tempo que esta acentuada importância pressiona um rápido avanço nas tecnologias de extração e pesquisas geológicas, mostra que o domínio destas informações e recursos passa a ser também um assunto cada vez mais importante. O conhecimento da história da crosta terrestre permite prever com maior chance de acerto a localização de reservas petrolíferas significativas. O domínio de diversas tecnologias permite a exploração cada vez mais exaustiva destes recursos, com o emprego de idéias ousadas como a de poços horizontais, plataformas flutuantes suportando quilômetros de risers sobre lâminas d’água de mais de dois quilômetros...

O petróleo vai assim produzindo um mundo cada vez mais capaz de sustentar o desenvolvimento científico e tecnológico que viabiliza a exploração de mais e mais petróleo, em um delicado equilíbrio dinâmico de mutualismo que só poderá ser eventualmente quebrado por fatores externos (mas nem por isso independentes), de ordem econômica, ambiental ou política.

1 comment:

Paulo Roberto said...

Você escreve coisas grandes demais! E complexas demais! Sim, é uma crítica, mas como faz parte da sua personalidade, então... é uma crítica a sua pessoa. Hehehe. Sério. Descomplique-se e venha para Portugal.