Saturday, November 25, 2006

Falando mal de quem só fala mal

Estive lendo ainda há pouco um artigo de Maria de Fátima de Paula, na revista Tempo Social, e ontem andei folheando o artigo de José Marcelino de Rezende Pinto, na revista Educação & Sociedade. O primeiro entitula-se "O Processo de modernização da universidade", enquanto o segundo "O acesso à educação superior no Brasil". Os artigos são interessantes e informativos, em especial o artigo de Rezende Pinto, cheio de estatísticas sobre as universidades brasileiras de algumas décadas até aqui. Ao ler os trabalhos, porém, deparei-me com um certo pessimismo que incomoda.

O capitalismo está a solta, é um vilão a ser combatido. Está corroendo o livre pensamento e submetendo o pacifico caminhar da ciência às torturas invensíveis das invisíveis e monstruosas forças do mercado.

O incômodo acontece não por eu discordar de que a universidade deva ser um reduto de formação e desenvolvimento de mentes críticas, mas sim por eu acreditar, e sinto mesmo que esta é a realidade desejável, que uma postura crítica não deve implicar em uma postura de criticar. Antes que eu permita nos perdermos na confusão das ambiguidades, explico: espero que criticar seja sempre a atitude de tecer novas interpretações, imaginar novas teses e testar todas essas idéias num constante confronto com a realidade, sem medo de chegar a qualquer conclusão que for.

Mas quando criticar assume o sentido de levantar vozes em contrário, difundir o sentimento de que a atual realidade é quase o pior dos mundos e que, sem a fuga completa para um outro mundo, não há a menor esperança de melhora, então acredito que a crítica perdeu sua liberdade de pensamento para o grande vilão do desencantamento do mundo.

Talvez, quem sabe, um socialismo devidamente realizado constitua um sistema infinitamente melhor que o capitalismo para todos os possíveis envolvidos. Ou ainda, por que não, exista um terceiro sistema que se constitua em algo muito melhor do que o melhor dos socialismos já sonhados ou dos capitalimos já fingidos. Mas estas questões, embora válidas e merecedoras de reflexão, não impedem por nenhum caminho lógico que se coloque também em pauta indagações sobre como tornar melhor o mundo atual assumindo como dadas suas principais características de funcionamento. Isto é, assumindo que, sim, este é um mundo capitalista e que a sociedade está organizada em consumidores de serviços e bens e em provedores dos mesmos. E que o equilíbrio entre estes diferentes grupos, quer seja um equilíbrio tendencioso ou não, é um equilíbrio dinâmico cuja manutenção envolve um místico fluxo da tal entitade monetária.

Mais ainda! Contra o pessimismo dos autores que mencionei e de muitos outros, pergunto ainda se o mal funcionamento de um determinado sistema pode ser aceito como prova irrefutável de que a própria idéia do sistema é inviável. Todos aqueles que já tentaram controlar a natureza em suas formas brutas mais básicas em pouco tempo descobriram o quão falsa é essa conclusão. Sim, há inúmeras possibilidades no manejo da realidade. Coisas soltas no ar caem, e você pode tentar deixar uma pedra flutuando bem à sua frente por quantas vezes e de quantas maneiras quiser que não logrará sucesso. A não ser que passe a manejar também outras características da realidade (como criar um campo magnético na região e garantir que a tal pedra tenha metal suficiente preso a ela), o objetivo jamais será alcançado e a idéia inicial é inválida. Há porém inúmeros exemplos em contrário. A história da aviação, a invenção da lâmpada, a conquista espacial... Caso algum dos fracassos iniciais das tentativas de vôo, ou de domínio da eletricidade, ou da criação da luz, ou da realização de viagens espaciais (para ficarmos apenas nos exemplos mais básicos) tivessem sido interpretados por todos como um definitivo atestado de impossibilidade, então certamente viveríamos num mundo onde seríamos muito mais submissos às forças da natureza do que somos hoje.

E quando pensamos em como criar um mundo melhor, quandopensamos em como desejaríamos que certas instituições sociais funcionassem, não estamos também querendo produzir algum tipo de mudança na natureza externa que se nos apresenta? Porém, diferentemente de uma pedra, ou de um avião, a natureza dos mecanismos sociais é muito mais complexa no sentido de que é extremamente difícil antevermos com precisão como ela responderá a um dado conjunto de inputs. Esses inputs, quer sejam na forma de leis, de músicas, de livros, de manifestações visuais ou de coerção física benéfica ou não, interagem sempre com um conjunto tão volumoso e complexamente intrincado de dispositivos que antever com precisão a saída do sistema talvez seja um problema que sempre irá demandar mais tempo para ser calculado do que o próprio tempo que o fenômeno em si demanda para se manifestar, inviabilizando dessa forma qualquer tentativa de previsão ainda que um dia pudéssemos ter um modelo perfeito.

No mesmo sentido em que aqueles que desacreditavam a possbilidade do vôo pelo fracasso das primeiras tentativas colocavam-se como submisso às limitações da natureza, talvez não exista nenhuma espécie social mais submissa às forças coercitivas do capitalimos que os sociólogos e alguns outros de seus colegas humanistas. Isso porque eles se apressam sempre em sublinhar o quão falhas e problemáticas são as estruturas sociais instaladas no capitalismo, e concluem sempre instantaneamente que esta falha explica-se pelo substrato do tal sistema ser justamente o capitalismo ao invés de outro sistema qualquer, que raramente sobra tempo para questionamentos concretizáveis sobre como solucionar as falhas percebidas e colocar o sistema para funcionar sem que todo o resto do maquinário social precise ser desmontado e remontado. Não se trata de aceitar o mundo como ele é e deixar de lado toda a vocação crítica que ferve nas veias de um livre pensador. Trata-se antes da sensatez de aceitar que existem diferentes formas de se abordar um mesmo problema e que encontrar um meio de dar um pequeno passo em direção a um cenário ideal é muito melhor do que ficar para sempre à deriva por não saber como saltar diretamente ao destino.

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