Wednesday, March 01, 2006

Substrato cultural, inovação tecnológica e liderança norte-americana

Sobre uma pesquisa em que Manuel Castells trabalhou, acerca dos padrões culturais, sociais e espaciais associados à inovação tecnológica, em uma comparação com o Vale do Silício e a realidade americana, porém envolvendo regiões de todo o planeta, ele comenta no capítulo 1 de seu "A Sociedade em Rede":

"Nossa descoberta mais surpreendente é que as maiores áreas metropolitanas antigas do mundo industrialziado são os príncipais centros de inovação e produção de tecnologia da informação, fora dos EUA. Na Europa, Paris-Sud constitui a maior concentração de produção de alta tecnologia e pesquisa, e o corredor M4 de Londres ainda é a localidade mais preeminente em eletrônica da Grã-Bretanha, em continuidade histórica com as fábricas de materiais bélicos a serviço da Coroa desde o século XIX. É claro que a conquista da superioridade de Munique sobre Berlim deveu-se à derrota alemã na Segunda Guerra Mundial, com a Siemens mudando-se deliberadamente de Berlim para a Bavária, antecipando a ocupação norte-americana daquela área. Tóquio-Yokohama continua a ser o centro do setor japonês de tecnologia da informação, apesar da descentralização de filiais operadas no programa Technopolis. Moscou-Szelenograd e São Petesburgo foram e são os centros de conhecimentos e da produção tecnológica soviética e russa, após o fracasso do sonho siberiano de Khruschev. Hsinchu é, na verdade, um satélite de Taipei; Daeduck nunca teve um papel significativo se comparado a Seul-Inchon, apesar de localizar-se na província onde nasceu o ditador Park; e Pequim e Xangai são e serão o centro do desenvolvimento tecnológico chinês. Pode-se dizer a mesma coisa da Cidade do México, no México, de São Paulo-Campinas, no Brasil, e de Buenos Aires, na Argentina. Nesse sentido, o enfraquecimento tecnológico de antigas metrópoles norte-americanas (Nova York - Nova Jersey, apesar de seu papel proeminente até a década de 1960; Chicago; Detróit; Filadélfia) é exceção em termos internacionais, vinculado à excepcionalidade norte-americana resultante de seu espírito desbravador e interminável escapismo das contradições de cidades construídas e sociedades constituídas. Por outro lado, seria intrigante explorar a relação entre essa excepcionalidade e a inquestionável superioridade norte-americana em uma revolução tecnológica caracterizada pela necessidade de rompimento de parâmetros mentais para estimular a criatividade."

Para mim, a questão final é simplesmente surpreendentemente cativante. Creio que, explorada a fundo, toca aspectos dos mais diversos das sociedades, e não apenas os institucionais, políticos, "macro-aspectos", por assim dizer. Entender o desenrolar da realidade descrita no breve trecho acima envolve, sim, conhecer esses macro-aspectos todos, mas também demanda esmiuçar o íntimo dos povos. Demanda entender não só a forma como as políticas públicas alocam dinheiro para programas de pesquisa e desenvolvimento e como o sistema educacional é estruturado do ensino primário à pós-graduação nas diferentes nações, mas também a natureza dos sentimentos pessoais diante da diferença, da inovação, da aposta no novo, da "deserção criativa", por assim dizer.

Além disso, o fato de que um grande centro de inovação - o Vale do Silício - surgiu nos EUA afastado das "antigas metrópoles" enquanto no restante do mundo o que vemos é uma associação direta entre os grandes centros e a atividade intelectual-tecnológica preponderante seja talvez um indício da inabilidade do restante do mundo de patrocinar uma mudança de paradigma ainda não concretizada. Faz-se no restante do mundo muito melhor o que Thomas Khun, em A Estrutura das Revoluções Científicas, chama de "ciência normal", enquanto nos EUA, além desta, vemos também com expressiva solidez e mesmo uma curiosa institucionalização o esforço constante da inovação.

Argumente com razões econômicas. Argumente com razões históricas. Argumente com razões políticas. Argumente com razões sócio-culturais. Você estará parcialmente certo em cada uma dessas argumentações, mas o entendimento global, embora a questão seja em um primeiro momento tão simples como "discorra sobre as diferenças entre o padrão de inovação tecnológica verificado nos EUA e no restante do mundo", é um entendimento tão abrangente que, apenas em caráter de aquecimento, me dá uma vontade enorme de retomar leituras como de Alexis de Tocqueville (A Democracia na América), Sérgio Buarque de Holanda (Raízes do Brasil), Durkheim (Formas Elementares da Vida Religiosa)... Todo o bê-a-bá da Sociologia é necessário para entender esse problema, pois nele a relação entre a esfera pessoal, individual, e a esfera pública e coletiva é das mais estreitas.

1 comment:

Anonymous said...

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