Monday, December 08, 2008

Sociodinâmica da irracionalidade


Suponha que você é um matemático ou um físico (é uma suposição apenas, não fique triste!), e deseja modelar a queda de objetos. Logo (ou não tão logo) você descobrirá que a resistência do ar impõe complicações consideráveis às suas equações. Vamos ser práticos então... Basta escrever em algum canto: "desprezando-se a resistência do ar...", e continua-se trabalhando numa boa. Consegue-se assim isolar parte da realidade e isolá-la como se fosse independente do resto. Com efeito, muitos dos resultados a que se chegam são válidos, tanto é que servem perfeitamente para descrever o comportamento de naves especiais e afins (em um ambiente onde, efetivamente, não existe atrito com o ar para atrapalhar a coisa toda). Contudo, deve-se lembrar que as conclusões a que se chegam após certas simplificações não são válidas para todo o campo da realidade. Um corpo solto na atmosfera não cai com aceleração constante: eliminar o atrito com o ar das equações não o elimina dos fenômenos que nos cercam!

Mas coisas caindo pelo ar não são o que me interessam no momento. Quero falar é de uma outra área onde o procedimento de modelar a realidade assumindo uma infinidade de simplificações de modo a construir algo passível de análise é muito mais despudoradamente empregado: a sociologia. A primeira parte do famoso "Leviatã" de Hobbes é chamada "O Homem". Nesta seção o pensador tece seu modelo ideal. Não é, de modo algum um tratado científico com pretensões de descrever como o homem REALMENTE é, e eu me espantaria se descobrisse que o autor teve essa intenção (estaria tão enganado...). É apenas uma formalidade necessária ao procedimento de análise, é porção do raciocínio do autor que alerta: "vou assumir que os homens são ASSIM, e vou basear minhas conclusões em cima desse modelo com todas as simplificações e aproximações que estão aí implicadas!".

É inevitável que se proceda dessa forma. Assim como nas análises sujeitas à resistência aerodinâmica, as análises sujeitas a toda sorte de variações sociais é por demais "intratável". Não obstante, precisamos de um norte para saber "para onde estamos errando". Quando eu calculo o tempo de queda de uma bolinha de papel sem levar em conta a resistência do ar, o resultado será uma superestimativa ou uma sub-estimativa do tempo real, dadas as simplificações feitas? Quando avalio a importância da educação, dos esportes, dos investimentos em infra-estrutura, quando reflito sobre os perigos de regimes ditatoriais, quando tento estimar as chances de auto-destruição da humanidade ou quando vislumbro o triunfo da razão científica sobre a cegueira dogmática, qual erro estou cometendo?

Estou pra descobrir algum tipo de interação social, que seja no âmbito pessoal ou no âmbito das interações institucionais, que seja plenamente condizente com a "hipótese do agente racional". Sabemos por evidência antropológica direta que o homem no estado de natureza não é selvagem e perigoso como assumido por Hobbes, e sabemos também que as instituições modernas não emergem de um "acordo de cavalheiros", um contrato social feito no dia em que as pessoas sentaram em círculos em volta da fogueira, ponderaram sobre as possibilidades que tinham em mãos e concluiram sobre as melhores atitudes a tomar dali adiante. Essas historietas produzem uma coerência discursiva que é extremamente agradável à nossa mente sedenta de explicações, mas nem por isso são verdadeiras.

Em 14 de julho de 1789 ocorreu a queda da Bastilha. Em 7 de setembro de 1822, num pity histórico, Dom Pedro proclamou a república no Brasil. Em 29 de agosto de 1958 nascia na cidade de Gary, Indiana, um jovem chamado Michael Jackson. E em 25 de abril de 1983 nascia em São Paulo um pequeno notável chamado Adriano Axel. E em que dia da história foi assinado esse tal de Contrato Social? Santana, Janis Joplin e Joe Cocker estavam presentes no Festival de Woodstock. Benjamin Franklin, Thomas McKean e Thomas Jefferson são alguns dos signatários da Declaração de Independência dos Estados Unidos. Quem são os signatários do famoso Contrato Social? Em que museu está o tal documento? Ou então, antes que critiquem o exagero de minha incompreensão desta abstração analítica, como pode uma nação realmente se estruturar sobre uma Constituição assinada por algumas dezenas, sendo constituída por milhões e milhões de habitantes que não fazem a menor idéia de qual é o conteúdo do texto constitucional?

A realidade é profundamente diferente dos modelos que temos. E, no que se refere às teorizações sobre os nossos modelos sociais, não sei se há uma idéia clara sobre "para onde estamos errando, se para mais ou para menos". Só sei que desconfio mais e mais de explicações plausíveis demais, pois essa plausibilidade implicitamente assume uma racionalidade nos bastidores, coisa que as evidências, seja na História das Grandes Potências Internacionais, seja na imbecilidade escandalosa do meu Professor de Administração, colocam seriamente em dúvida.

PS: Depois explico mais sobre a imbecilidade do meu Professor de Administração. Infelizmente meu dia não é infinito e esse post já ficou grande demais segundo a métrica blogueira convencional.

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