Tuesday, October 21, 2008

Tô caindo do muro...



Eu já fui muito mais "em cima do muro" em minhas crenças, em minha relação com o misticismo de forma geral, e etc... Mas vai ficando cada vez mais difícil. Acordei hoje ouvindo essa aí:

- Poxa vida, coitada da Eloá, não podiam ter deixado essa história acabar assim, ela morrendo e esse bandido saiu vivo!

- Ah, mas também... É difícil falar, não é? Vai saber o que ela fez na outra vida...

Olha, me desculpe... Eu tendo a ser permissivo com tudo o que é tipo de crença ridícula por aí, até porque acho que daria o maior trabalho sair tentando converter todo cretino a algum tipo de sandice que preste, e valorizo o prazer da preguiça. Mas usar crenças em uma vida transcedental para embasar alguma justificação numa atrocidade como essa do caso Eloá... Me desculpe... Esse tipo de loucura deixa de ser pura imbecilidade de interesse antropológico e começa a se configurar como uma perigosa e inaceitável distorção de mundo.

Não é só isso que me faz cair do muro e para um lado muito específico. Astrologia... Me desculpem, mas de todas as análises mais aprofundadas que me deti a ver, embasadas na astrologia, não encontrei até hoje uma só que prestasse. Uma única. É sempre a fé do crente que cria o fato acreditado, nunca a crença surge em caminho inverso. A propenção a acreditar é a maior matéria prima para a crença em coisas extraordinárias.

Dificilmente uma discussão com um crente, crente no que quer que seja, segue qualquer linha lógica que preste... É muito comum rebaterem uma determinada afirmação, com outra afirmação ligada a outro tipo de discussão... A estrutura lógica, na maior parte das vezes, parece ser a seguinte: "se eu tenho razão em algo, tenho razão em tudo o mais. Logo, se eu encontrar qualquer coisa em que eu tenha razão, o resto estará automaticamente embasado também".

Finalmente, o que mais me perturba e o que mais "dá trabalho" em dicussões com crentes de qualquer espécie, é o fato de que usam diversas afirmações que nem erradas estão, o tempo todo! Vou ter meu momento mago agora: vai haver uma guerra terrível no futuro.

E daí? Qualquer um pode afirmar isso!

Vou ser mais transcedental ainda agora:

Vai haver uma terrível epidemia no futuro, de uma doença criada em laboratório.

As sentenças acima nem erradas estão!. Não são falseáveis. Eu não dei a data. Não disse o laboratório. Não dei nome aos bois (sem perturbar aqui o induísmo, que deixo pra um deboche posterior). A qualquer momento um desses eventos pode acontecer... E aí? Aí oportunistas desocupados que vivem de abusar da boa vontade de pessoas que precisam de um apoio dogmático para ter paz existencial aparecem dizendo: "não falei?! Eu sabia!". Grande!

A intolerância é absurdamente própria da cultura humana... Nenhuma religião se livra de suas amarras, nenhuma espécie de crença, aliás. O fato de que a grande maioria dos céticos, de físicos a engenheiros ao agnóstico "comum", conviver harmoniosamente bem com um número absurdo de coisas que dentro de seu próprio conceito considera absurdas deveria chamar a atenção de todos para a primeira verdadeira transcendência na barreira de tolerância já vista na humanidade. Céticos deveriam sair tentando mostrar a todos os dogmáticos os absurdos de suas crenças. Não o fazem, com raras excessões daqueles que sofrem mais com isso (Richard Dawkins, por exemplo, que é um evolucionista que foi apurrinhado o bastante por asneiras religiosas para se motivar a combatê-las).

E, para complementar... Muitas vezes os dogmáticos em geral acham que os céticos são uns "sabe tudo", que querem ter respostas para tudo ao sair afirmando coisas sobre a natureza da matéria e da energia, de modo geral, que vão muito além do que os dogmáticos pretendem. Dois pontos: a ciência tem sim um domínio sobre a matéria muitíssimo mais vasto do que qualquer dogmático jamais poderia sonhar. Segundo: não, os céticos não pretendem "saber tudo". Eu não quero substituir as afirmativas dos dogmáticos sobre a natureza moral da necessidade do universo em negativas. Quero apenas colocar um razoabilíssimo "não sei" no lugar. Há afirmações das mais diversas que podem ser verdade, podem não ser, e a única coisa que eu sei é que não tenho como decidir. Então deixemos esses sonhos malucos de lado, esperando por qualquer sinal que possa vir a ocorrer, e enquanto isso tomemos a decisão muito mais sensata de basear nossas vidas em coisas que fazem sentido.

Finalmente, a questão da moral... É preciso que o universo tenha algum "propósito" para que as pessoas sejam boas? É preciso que exita algum Deus pra isso? Que exista algum inferno ou alguma punição? Eu creio que sou um amontoado de átomos bagunçados mal elaborado gozando de um sopro de vida até que a entropia faça seu serviço e me brinde com a cova. Imagino que morrer seja ir dormir e não acordar mais, só que sem sonho. Minha consciência já era, pra sempre, depois de morto. E isso não me dá a menor vontade de sair cometendo "pecadinhos" por aí só porque não existe um inferno para punir-me depois. Em contrapartida, se tomarmos o número de religiões que ditam atrocidades contra os "descrentes"... Cruzadas, bruxas na fogueira, etc... Ou os casos atuais de padres pedófilos...

Pensando bem, identificar problemas com o pensamento religioso e dogmático em geral é algo tão fácil e vasto, e dá margem a análises tão ricas da estupidez da nossa natureza (algo que devemos conhecer bem para poder contornar devidamente sempre que necessário), que nem sei porque estive em cima do muro por tanto tempo.

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