Wednesday, April 22, 2009

Miséria serendipitosa


Como Nova York estava cheia de mendigos! Os mais agressivos que eu já tinha visto na vida! Bêbados ou não, agarravam as pessoas, olhavam-nas nos olhos e, vociferantes, obrigavam-nas a lhes dar o que elas não tinham como era o meu caso. Havia um mendigo, o tal da esquina da 23 com a Sétima, que sempre me agarrava. Depois de dois dias, já um pouco mais treinado, bastava vê-lo vindo em minha direção para eu ir logo bradando "FUCK OFF!" (NÃO FODE!). Um dia, em que não só a temperatura mas também minha moral estavam bem abaixo de zero, eu ia andando distraído quando senti alguém me agarrando pelo braço: era ele. Queria porque queria um dime. Baixei os olhos, deprimido. Ao fazê-lo, vi uma nota de cinco dólares aparecendo sob meu pé direito. O mendigo também viu. Mais que depressa apanhei a nota. Aí começamos uma discussão a respeito de quem devia ficar com a nota: se eu, porque ela fora achada sob o meu sapato, ou se ele, porque se ele não tivesse me segurado eu teria continuado meu caminho, passando pela nota sem vê-la. Comecei a ficar constrangido com o círculo de pessoas que foi se formando à nossa volta. Tive uma rápida presença de espírito e decidi repartir os cinco dólares com ele. Entrei numa farmácia e troquei a nota: dei dois dólares ao mendigo e fiquei com três. Afinal, éramos irmãos na miséria.

Antonio Bivar, em Verdes vales do fim do mundo (número 282 do catálogo da L&PM Pocket).

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