Friday, April 10, 2009
O apego
Toda semana Elisa recebe, em seu consultório, Carla, jovenzinha miúda, criança. Carla é dispersa, por vezes briguenta, arredia. Mas com crianças o divã simplesmente não funciona. É preciso brincar com elas, para que sintam-se à vontade, percebam algum laço de amizade e desatem a falar as pistas nevoadas de seu mundo interior. E elas brincavam, e brincavam, e lá se ia a hora da consulta. Ao ir embora, todas as vezes, Carla pedia algo emprestado. Um porta-canetas. Um bloquinho. Um enfeitezinho que estava na parede. Elisa emprestava. Semanas iam passando, e os objetos se revezando. Sempre voltavam: "é só emprestado, pode?".
A curiosidade foi crescendo em Elisa, dividindo-se em problemáticas acadêmicas e mistérios transcendentes. Não consultou as páginas dos saberes convencionais dos criativos pensadores introspectivos. O que explicaria aquele rascunho de cleptomania? Que simbologia estaria por trás daquela impulsiva apoderação do alheio, que sempre se arrependia? Perguntou direto à Carla:
- Menina, por que você sempre pede pra levar alguma coisa emprestada?
- É pra eu ter que voltar!
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