Sunday, April 12, 2009
Caminhos da História
As cartas que eram enviadas à Europa no início do século XVI narrando os feitos de Hernan Cortez, em sua conquista do que hoje é o México, poderiam muito bem ser uma peça cômica de segunda categoria, não fosse o pequeno detalhe de retratarem fatos reais. Abaixo, um trecho da carta escrita em Vila Rica de Vera Cruz, a 10 de julho de 1519:
No outro dia pela manhã, vieram até nós alguns índios em uma canoa. Trouxeram milho e algumas galinhas e disseram para que pegássemos aquilo e nos fôssemos de suas terras. O capitão [Hernan Cortez] disse que de nenhuma maneira partiria sem saber o segredo daquela terra, para poder fazer um relato verdadeiro a vossas majestades. Eles reiteraram para que não nos atrevêssemos a entrar em seu povoado e foram embora. Logo que saíram, Cortez determinou a um de seus homens que juntasse duzentos outros e seguisse por um caminho que à noite anterior havíamos visto que dava naquele povoado. Enquanto isso, o capitão embarcou com outros oitenta homens nos bergantins e mais uma vez nos receberam em posição de guerra, apontando suas flechas e mandando que nos fôssemos. Depois de haver requerido por três vezes permissão para descer, o capitão rogou o testemunho do escrivão de vossas altezas reais que consigo levava, dizendo que não queria a guerra, mas diante da determinada vontade dos índios mandava soltar os tiros de artilharia. Com a proteção dos disparos de fogo saltamos a terra e prendemos alguns índios, embora tenham ferido alguns dos nossos. E com o ataque pela retaguarda do batalhão que Cortez mandou pelo caminho que levava ao povoado, dominamos a situação. Os índios fugiram e nós tomamos o povoado, tendo nos instalado na parte que parecia mais forte. No outro dia, como aconteceu na véspera, vieram dois índios, trazendo algumas jóias de ouro, muito delgadas e de pouco valor, e disseram que fôssemos embora, deixando-os em sua terra como antes estavam, sem fazer-lhes mal. O capitão respondeu que, quanto a não lhes fazer mal algum, isto o deixava muito contente, porém, quanto ao deixar a terra, deveriam saber que dali em diante tinham por senhores aos maiores príncipes do mundo, dos quais se tornavam vassalos e aos quais deveriam servir. E se fizessem isso, vossas majestades lhes prestariam muitos favores, amparando-os e ajudando-os a se defenderem de seus inimigos. Eles ficaram muito contentes com isto, mas insistiram em que deixássemos a terra. E assim nos tornamos todos amigos.
NOTA: Após esse surpreendente desfecho, "e assim nos tornamos todos amigos", seguiu-se uma batalha que matou ao menos duzentos e vinte nativos e nenhum dos homens de Cortez. Desses, vinte ficaram feridos, e nada mais. Agora sim, assombrados com os cavalos e com as armas de fogo, desnorteados por perderem tantos dos seus, os índios se sentiram desencorajados a pedir a retirada dos homens de Cortez daquelas terras. E assim se tornaram todos "amigos".
REFERÊNCIA: As Cartas de Relatos de Hernan Cortez estão publicadas pela L&PM sob o título A Conquista do México, sendo este livro o número 450 do catálogo da editora.
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