Da estação até em casa sobe-se uns vinte metros. Que eu avaliei como quarenta da primeira vez mas juro que é mais que o Fuji, quando está muito tarde.
Talvez com menos sangue na cabeça depois de tamanha escalada, minha atenção vai mais lenta também. Vejo as casas, muitas com enfeites na porta, ou na calçada. Tudo é diferente. Uma pequena oficina. E logo adiante um gato sentado em frente a uma casa. Está sob a luz, ao invés das sombras. Acho estranho tamanho descuidado por parte de um felino.
Num dos passos, arrasto o pé no chão. O barulho o faz olhar para mim. Mas mais nada. Volta o olhar para o mesmo infinito de que se ocupava antes.
Dois dias depois, vou subindo. Lá está ele. Que gato doido, sempre aí, sozinho, no mesmo lugar, olhando para o mesmo ponto, do mesmo jeito. Vou assustá-lo para quebrar essa mesmice toda do Japão. Arrasto o pé. Ele olha para mim. Olha para seu infinito. E fica lá.
Dou um nome a ele. Shogun. Melhor dar nome, antes que ele resolva fugir dali.
Fim de semana. Vou passear em Tóquio. Chove. No trem, vou olhando aquelas casas todas iguais quilômetros e quilômetros afora, os prédios todos com um mesmo padrão muito parecido - ou vai ver é meu olhar que ainda não entende das nuances daqui. Algo me tranquiliza: ao menos hoje o Shogun não estará lá.
Pois a chuva já nem era mais garoa. E lá estava Shogun e seu infinito sendo admirado igual sempre.
Bato o pé no chão com mais força. Olha para mim. E volta o olhar ao longe.
Na semana seguinte eu pensava sobre o Shogun enquanto subia a ladeira infinita. Assustei-me ao vê-lo de novo ali. Do mesmo jeito, o mesmo Shogun estátua de antes. Eu estava perturbado: como podia o Japão ser assim tão simétrico em tudo, até no descanso dos bichanos? Tão padronizado, tão organizado, tão previsível? E antes de me dar conta, bati o pé no chão para tentar distrair o Shogun. Igualzinho fiz das outras vezes. Shogun olhou para mim. Olhou para longe.
Maldito, maldito Shogun!
Semana que vem faço outro caminho.
Monday, October 24, 2011
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