Thursday, January 28, 2010

Pontos de vista

Local: R. Xavier de Toledo, Anhangabaú, São Paulo
Horário: 08:43 AM

Cena: Vestido claro, curto. É verão. Decote. Andar gingado. Magra sem ser seca. Arrumadinha sem ser fresca. Gostosa, em bom português. Essa notável presença flutuava pela calçada e sua imagem era acompanhada num take único por um marombado desses que fazem mais musculação na auto-estima do que nos músculos. Homem não disfarça. Olha mesmo. Talvez seja mais importante ele se fazer perceber no ato de olhar do que aquilo que suas retinas efetivamente desfrutam. A atenção era tanta naquelas pernas mordíveis que nem notou o exótico travesti pé-de-chinelo (sandália?) que vinha pouco atrás da loira. O travesti o olhava de cima abaixo. Fosse a loira a olhá-lo assim, nem saberia o que fazer, como o lendário cachorro que amargou um carro parando no meio da rua. Sentado na calçada, num caixote de madeira, um menino com não mais que 8 anos (que talvez fossem na realidade 12, aparentando precisamente não mais que 6), esquecia de atrair clientes para suas balas de goma. Divertia-se às gargalhadas com a estranhice despudorada e desglamurosa daquele travesti mal financiado. Do outro lado da rua, quase alheia a tudo, mas fundamental para a costura firme da cena, ia uma velha freira em seus trajes castos. Olhar piedoso para a miséria porca do menino. Olhar assustado e impotente para esse prelúdio de sofrimento e pecado. Fechando a cena como num "fade away" bem lento para o cinza, iam todos os outros ignorando a freira, o menino, o marombado, a gostosa, o travesti, tudo e todos. Andavam como se a existência toda fosse isso: andar, um pé e aí o outro. Mas num balcão de padaria logo lá, com R$3,00 a menos no bolso eu tomava um delicioso suco de laranja e me divertia com a vida.

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