Tuesday, March 15, 2011
De novo o homem e a natureza...
Ah, o tsunami no Japão e o aquecimento global... Tem jente achando que é causa e efeito, culpando indústrias, o capitalismo, a morte das baleias e o buraco da camada de ozônio. Abaixo, meu comentário feito num outro blog onde se discutia a respeito:
Realmente vivemos tempos de preocupações ambientais sem precedentes. Já está em marcha a maior extinção de espécies desde que a vida surgiu na Terra (até o momento, se fizermos a contabilidade em número de espécies. Em termos de percentual das espécies existentes esta ainda não é a pior de todas; isso porque nossa época é mais rica em biodiversidade do que qualquer período anterior). A atmosfera é uma estrutura extremamente fina e responsável por um equilíbrio assombrosamente intrincado e delicado.
A hipótese de Gaia tem o mérito de mostrar como as relações da natureza são complexas e interligadas, mas peca gravemente ao dar margem para a idéia de “intenção”. O aumento de nuvens devido a um aumento de temperatura, que tende, devido ao branco das nuvens, a aumentar a reflexão da Terra e assim resfriar o ambiente, não tem nada de intencional. Nada. A natureza não está “tentando” manter o equilíbrio de nada. Está cegamente se comportando como se comporta qualquer copo de água em qualquer lugar; Se nosso planeta, porém, não apresentasse uma estrutura em que o funcionamento da natureza apresenta características de equilíbrio, certamente não estaríamos aqui para contar história, simples assim.
Agora… se por um lado devemos nos preocupar com as ações humanas, que hoje tem poder sem precedentes de afetar toda a biosfera, precisamos também manter a cabeça no lugar…
Terremotos acontecem o tempo todo. Ao menos um tsunami de proporções significativas é registrado TODO ANO (ver Fundamentos de Oceanografia, de Tom Garrison). Eventualmente um desses tsunamis ganha proporção maior e causa estragos significativos. E mais esporadicamente ainda essa proporção maior é realmente devastadora e, por azar, atinge áreas habitadas. Esse azar, é claro, é cada vez mais provável, uma vez que a ocupação humana no globo é cada vez mais abrangente. É cada vez mais difícil para um tsunami encontrar um pedaço de continente vazio para inundar em paz.
Quanto às suposições de que são as ações humanas que causam os tsunamis… Qual seria a relação entre o aquecimento global e o comportamento das placas tectônicas? Mudar a temperatura média da atmosfera em meio grau, ou um grau ou dois, afetaria de que maneira a temperatura interna do ínterior da Terra, cuja fonte é distinta? (a atmosfera e as camadas iniciais da crosta recebem calor do Sol, ao passo que a parte “derretida” do núcleo recebe calor interno da Terra, devido à pressão do peso da Terra sobre si mesma e devido ao calor do material radioativo presente no núcleo terrestre).
Sim, atribuiram vingança divina ao terremoto de Lisboa. Realmente… Um deus que elimina pecadores com uma enorme inuncação que mata sem distinção idosos, crianças, recém nascidos, grávidas, cachorros e as roseiras da janela, ao invés de usar sua onipotência para causar enfartos localizados no peito dos verdadeiros ruins, é ou extremamente sádico e perverso ou absurdamente pouco criativo. Características tão incoerentes com a realidade divina que já bastaria para se demonstrar, por absurdo, que o todo poderoso ou não existe ou foi achar outra coisa pra fazer depois de entregar muito relapsamente a lição de casa da disciplina “Criando Universos Com Vida I – Introdução às Manifestações de Poder”.
A tragédia no Japão aconteceu porque a Terra treme. Porque a placa do Pacífico avança, em média, algo em torno de 7 ou 8 centímetros por ano contra a placa tectônica da Ásia. Parece pouco, mas os continentes vão se comprimindo, se comprimindo, e de repente dão uma “escorregadinha” um sobre os outros. Na escala do planeta, é algo sutil e delicado. Suave até, pode-se dizer. Mas somos seres de menos de 2 metros de altura vivendo sobre camadas de 30.000 metros deslisando umas sobre as outras sobre um manto escaldante. Rodeados por oceanos com, em média, mais de 4.000 métros de profundidade. Uma pulga sobre um carro é um gigante mastodôntico se comparado ao que é um humano sobre a crosta terrestre.
Sim, precisamos sempre de um culpado. Precisamos sempre de um culpado porque nosso cérebro, quem diria, tem um ímpedo de desconfiar que há uma causa para tudo. Aparentemente, até agora, há. Só que também temos um ímpeto para achar que a causa é sempre humana, social, inteligível apenas por meio de personagens (vivos, mortos, corpóreos ou não, mas sempre cheios de intenções). Nosso cérebro, portanto, não é perfeito. Assim, exige um esforço a mais identificar o “culpado” como uma simples tensão mecânica de um movimento gigante e constante. Parece não ter tanta graça. Achar que o tsunami é culpa de ALGUÉM (a humanidade, os pecadores, os ateus ou os capitalistas ou os socialistas ou, por que não, o Chuck Norris) é sempre muito mais interessante do que apontar como culpada a energia cinética de aproximadament 2.066.000.000.000.000.000 m³ de crosta sob o oceano (volume aproximado da placa do Pacífico). Não tem graça, não dá uma manchete arrebatadora de vendas.
As atribuições de culpa, hoje e sempre, em sua assombrosa riqueza de variedade e matizes, vão sempre revelar muito mais sobre os atribuidores (nós) do que sobre a natureza…
Subscribe to:
Post Comments (Atom)
No comments:
Post a Comment