Monday, May 04, 2009

A atração inesperada


Relutei o quanto pude: não havia porque aceitar entrar num dos cinemas-inferninhos do centro pra ver um filme de zumbi. Ainda mais na virada cultural. Meu amigo, o Outro, realmente devia estar com um parafuso solto. Ainda mais acontecendo por toda a parte a Virada Cultural, com centenas de atrações. Shows, apresentações de todas as espécies... Por que perder tempo vendo um filme de zumbi?

Acabei indo, já que era a decisão de todos. Assistimos DellaMorte, DellAmore.

Surpresa.

Embora faça uso de todas as coisas manjadas desses filmes (defuntos que voltam à vida, cemitério, pessoas horrendas, lua cheia...), o filme dança sobre a noção de limites da vida para traçar um profundo retrato dos sentimentos humanos. Até aonde vão nossos vínculos? Quando terminam nossos sonhos? Até que ponto valorizamos nossa própria vida acima de tudo, acima daqueles a quem amamos?

Tá, tô mentindo, inventando: o filme era uma porcaria sem limites. Tosco, qualquer criança dava conta de um roteiro daquele.

E os diálogos então?

A morta-viva vem atrás do coveiro-bonitão:

- Você disse que nem a morte nos separaria, meu amor!

- Não podemos mais ficar juntos! Você está morta e eu ainda estou vivo.

- Não sou preconceituosa!

Que poético, que poético.

Ainda assim, foi uma das minhas melhores experiências cinematográficas.

Como isso é possível?

O cinema inteiro parecia uma torcida de time de futebol. Vibrava junto com o filme, ria, xingava, sempre em uníssono, com uma energia e entusiasmo que nunca vi antes...

A viúva gostosa xavecava o coveiro bem em cima da cova do seu ido marido, Augusto. Ao começarem os beijos e amassos, Augusto dá sinais de que vai sair da cova. Sempre com a clássica mãozinha fúnebre abrindo caminho pela terra. E o cinema inteiro, em coro:

- ÁU-GUS-TÔ! ÁU-GUS-TÔ, ÁU-GUS-TÔ!

E ele por fim irrompia de volta à superfície.

- AEEEEEEEEEE!! CLAP! CLAP! CLAP! CLAP!

Teve um cara, eu vi, que aplaudiu de pé.

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