Wednesday, April 09, 2008

Exageros e crises



AVISO URGENTE AO NAVEGANTE DESAVISADO: Este post assume que o leitor já viu o filme O Passado. Caso não tenha visto, saiba que os comentários que se seguem podem eventualmente estragar a surpresa. Em caso de dúvida, não leia. Vá se distrair em outro site, como este aqui.

Continuando...

Gael García Bernal é um ator que lembra muito meu amigo Marquinho. Mas espero, para o bem do Marcos, que a semelhança termine pela estatura de sapateiro de pulga e cabelo meio à lá Cornelius, pois o Rimini, coitado, só se fode.

Depois de 12 anos casado com Sofia (Analía Couceyro), divorcia-se e tenta viver novas coisas na vida. Com a gatíssima Vera (Moro Anghileri, da foto acima), tem um rápido caso amoroso tragicamente interrompido. Com sua colega de trabalho Carmem (Ana Celentano), constrói finalmente uma vida normal. Prejudicada pelos seus lapsos de memória. Bruscamente dilacerada, entretanto, pelas loucuras de Sofia, que sequestra por uma noite o filho que Rimini tem com Carmem. Traumatizada e decepcionada por Rimini ter se entregue à uma noite de bebedeira ao invés de correr atrás de seu filho, Carmem divorcia-se e o abandona.

Pra mim, este filme entra na categoria "filmes de terror". Me dá mais medo do que os filmes de monstros e vampiros que eu assistia ilegalmente quando tinha meus 9 ou 10 anos, e com um agravante: os monstros que vejo em El Pasado existem de verdade. Estão aí fora, camuflados e fora de controle.

Fobias pessoais à parte, as críticas:

.embora o macho do filme, Rimini, seja um fraco dado a vícios, hesita para tomar decisões corretas, dá-se com freqüência à primeira louca que aparece sem maiores considerações e, ainda por cima, comete o gravíssimo pecado da burrice aguda (quando larga o filho no táxi junto com a Sofia), o filme é mais grave ainda em seus aspectos machistas. Tá, Sofia é uma doida varrida. Aparentemente normal, seria mais um coração partido, talvez irreparavelmente partido, a vagar pelo mundo. Mas é desmedida em suas atitudes. Em todo o explicitismo de seu fascínio indiluível por Rimini. Até aí, tudo bem. Uma caracterização da moça, só isso. Quem não pode ter um perfil psicológico assim alterado? Há loucos no mundo, afinal. Há desesperados. O problema é que Sofia não está sozinha. O filme, em sua metade final, resgata a repugnante imagem das mulheres, como um todo, como formigas autômatas desesperadas por encontrar o casamento eterno. E nada mais. Caçam o homem como a formiga forageia o açúcar. E nada mais. Disso eu definitivamente não gostei. Foi um exagero que não caiu bem.

.Às vezes muito esforço concentrado e prolongado não conseguem alterar muitas coisas no mundo (horas de estudo vs. resultado nas provas de cálculo). Por outro lado, pequenas coisas, alguns momentos, uma decisão à qual não se dá a devida atenção, podem ter um efeito devastador e eterno. Aquela preguiça de tirar o filho do taxi, quando foi buscar cigarro, embora parecesse-lhe uma trivialidade corriqueira, custou a Rimini muitíssimo mais do que a estupidez de quase transar com Sofia às escondidas. Não deve ter durado 40 segundos o tempo de sair do táxi e pedir um maço de cigarros e ver o carro sumir. Por que não foi à casa de Sofia? Era o primeiro lugar a procurar. Deu-se à bebida, incapaz de ser mais forte que o próprio estarrecimento diante daquela incredulidade. E nunca mais sua vida reencontraria os trilhos bem encaminhados sobre os quais esteve.

Há os que digam que o filme é um exagero, que as atitudes de Sofia são artisticamente bela por exagerarem o desespero do amor imortal. Tá, o amor imortal é bonito, mas o filme mostra, explicitamente, o descomedimento diante sentimentos. E se sufocar os próprios sentimentos é suprimir-se de existir, deixar que tomem por completo as rédeas de suas atitudes significa abrir mão de todos os benefícios que a razão pode trazer à vida. Significa ser menor do que se pode ser.

Em resumo, gostei do filme. Tem um condenável viés machista mas, isso de lado, faz pensarmos sobre nossos exageros e sobre as enormes proporções do que pode resultar de pequenos atos.

1 comment:

Mel said...

Linkar o pudim foi sacanagem...