Hum.... Antes de entrar nos detalhes, um esclarecimento: gostar eu até gosto. Um texto bem estruturado, nada trivial, e que fala de coisas também que todos poderiam perceber mas até então ninguém tinha realmente se dado conta. Ótimo, parece legal, não é? Mas, com o tempo, passei a ter um enorme receio com relação a essa minha admiração. Até chegar ao dia de hoje, em que penso ser melhor não gostar mesmo de poesia, deixe-a de lado. Sim sim, deixe-a de lado, os riscos são muito grandes e não valem a pena.
Que risco? O risco natural em toda pessoa de tomar o autor pela própria obra. Textos são sempre portadores de um espírito nobre subjacente, mas isso é por exigência da coerência interna, e coerência é um requisito fundamental à nobreza. Sim, é claro que uma obra reflete muito de seu autor, mas não por transposição direta das qualidades! Essa é a falácia! Um texto bem construído revela... a capacidade de criação de bons textos por parte do autor, E NADA MAIS! Como engenheiro, eu jamais poderia clamar a rigidez de uma enorme estrutura que projetei como tradutora de alguma mística força colossal em meu próprio corpo, ou talvez em minha alma. O que fica exposta é minha capacidade de criar grandes estruturas, só isso.
Os abismos mais profundos da alma... Fazer inferências sobre esse domínio oculto a partir de umas poucas (ou muitas, tanto faz) palavras rabiscadas? Não! Nem mesmo as atitudes do dia-a-dia são realmente capazes de revelar com clareza o que se passa nas profundezas de uma pessoa... Tantas coisas são feitas em dissonância com os eus profundos que, por fim, nem o que se faz é o que se é. Creio que as atitudes devem ter prioridade sobre os escritos na interpretação do alheio, mas nem elas bastam.
Talvez, no momento, eu tenha uma raiva não só das poesias em particular, mas das expressões artísticas em geral e, por que não dizer também... Das expressões em geral. Sim...
Há um deserviço histórico prestado por tudo o que é expressão, da poesia nobre até a conversa corriqueira de uma caminhada fora de hora. É a invenção do marketing pessoal. É o anúncio daquilo que poderíamos ser porque gostariam que fôssemos ainda que não o sejamos, mas sem a clara exposição de todos esses poréns. Minha raiva maior é pela banalização da realidade não articulada.
As fotografias enfeiaram todas as paisagens do mundo. É preciso agora um profissional para enquadrar qualquer cena simples e capturar suas belezas escondidas. Os olhares leigos já não se sentem autorizados, preparados e, para todos os fins, dispostos a procurar nas cenas suas luzes eternas.
As músicas cujas melodias são um tratado de ritmica e harmonia e afins enfeiam e humilham as cantorias de porta de bar, as desafinações dos gritos entre amigos... Falham em criar essa alegria expontânea e incontida e esquecem assim de onde nasceram.
São os argumentos que fazem a justiça e a nobreza de um advogado, não sua conduta! (Essa última exigiria um enorme trabalho para ser realmente conhecida, e quem quer trabalho?)
E as poesias então?! Como fotografias bem tiradas, revelam luzes escondidas... Mas são muito mais poderosas em seu ofício destrutivo. Destroem não só paisagens. Destroem o lado invísível de sorrisos e olhares, aniquilam sentimentos, corroem os atos mais simples até lhes tirar toda essência.
É o Vício talvez? É o que nos faz humanos? Nos vendemos a pequenos prazeres até acreditar que a melhor garrafa é a do melhor rótulo?
Chega um dia em que cansa olhar por dentro. Chega uma hora em que o óbvio é aquilo que se anuncia com estridência e nunca aquilo que ali onde está, dia após dia, simplesmente é.
A poesia cega. Talvez eu até goste das poesias em si... Mas, responsáveis que são por essa cegueira, deixe-as em paz num canto não lido onde sejam inofensivas.
Rimas, métricas, aliterações, assonâncias e outros sei lá mais quais recursos são como ornamentos caros de quem um dia será lembrado pela aparência exótica que brilhou noite afora e não por nenhuma das piadas que contou ou risos que viveu. Imagens assim são vampirescas afinal, consomem o significado circundante para si. Quem entende Nietzsche além da estranheza daquele bigode? Ou Einstein além daquele penteado bizarro? Ou Mário de Andrade além daqueles óculos horríveis. Napoleão terá talvez afetado mais o mundo pela coragem toda fashion de liderar com um chapéu daqueles do que pelo mundo reestruturado que idealizou, tentou mas não conseguiu... A dor que dói mais que chorar deixa de existir sem as lágrimas. E o mesmo destino sombrio tem a felicidade que não explode em sorrisos e fica serena relaxando em um olhar.
Eu não acredito na existência daquilo que só é quando anunciado. Eu não acredito que o que é real seja tão pequeno que não possa ser visto.
Mas o mundo é o que é eu acreditando ou não. E esse texto é o que é seja ele o que pensei ou não.